TRÊS
"Aquele
que diz que permanece nele, esse deve também andar assim como ele andou"
(1 Jo 2.6).
Eduardo Norman, diretor do
Diário de Notícias de Raymond, estava sentado em seu escritório na manhã de
segunda-feira e enfrentava um novo mundo de atividades. Ele havia se
comprometido em boa fé a fazer toda e qualquer coisa depois de perguntar
"Que faria Jesus?" e, como esperava, preparar-se para todos os
possíveis resultados de sua decisão. Enquanto isso, ele retomava a vida
rotineira do Diário de Notícias num ritmo vertiginoso naquela nova semana,
hesitando diante de sentimentos muito próximos do medo.
Chegou bem cedo ao jornal e,
por alguns instantes, ficou totalmente só. Em sua mesa de trabalho, entregue a
suas cogitações, sentiu crescer dentro de si um desejo tão forte quanto raro.
Havia ainda muito que aprender com todos os demais daquele grupo de
cristãos
voluntários que o Espírito de vida se manifestaria com poder em sua vida como
nunca acontecera antes. Levantou-se, fechou a porta e fez o que havia muitos
anos não fazia. Ajoelhou-se junto à mesa e orou invocando a presença e
sabedoria de Deus para ajudá-lo.
Ergueu-se e começou sua
rotina diária, mas agora com sua promessa bem definida e clara em sua mente.
"Muito bem, mãos à obra", parecia ele dizer. Entretanto, seria
conduzido pelos acontecimentos tão rapidamente quanto eles surgissem.
Abriu a porta de sua sala e
começou sua agenda de trabalho.
O editor responsável acabara
de chegar e estava à mesa de trabalho na sala vizinha. Um dos repórteres
preparava alguma matéria em sua máquina de datilografia. Eduardo Norman começou
a escrever um editorial. O Diário de Notícias era um jornal vespertino, e
Norman redigia seu principal editorial costumeiramente antes das nove horas.
Tinha escrito durante uns
quinze minutos quando o editor informou:
'"Aqui está a reportagem
da luta de boxe de ontem no ginásio Resort. Vai ocupar três colunas e meia.
Suponho que vamos publicar na íntegra."
Norman era daqueles
jornalistas que costumam acompanhar cada detalhe da edição. O editor responsável
sempre o consultava sobre matérias de pequena ou grande importância. Algumas
vezes, como no caso desse evento esportivo, era meramente uma formalidade.
"Sim... não! Deixe-me
ver.'"
Ele se deteve a analisá-la
exatamente como tinha vindo do correspondente pelo telégrafo e leu até o fim
com atenção. Colocou as folhas sobre a mesa e se pôs a pensar maduramente.
"Não vamos publicar isto
hoje", disse finalmente.
O editor responsável estava
em pé junto à porta que divide as duas salas. Ficou abismado com a decisão do
chefe, pensando que talvez tivesse entendido mal.
"Perdão... o que o
senhor disse?"'
"Deixe esta matéria
fora. Não vamos publicá-la."
"Mas...'" O editor
estava completamente atordoado. Olhava para o diretor como se este tivesse
enlouquecido.
"Penso, Clark, que isto
não deve ser publicado; vamos dar este assunto por encerrado", disse
Norman fixando os olhos no editor.
Dificilmente Clark
questionava o chefe nesses assuntos. Norman tinha sempre a última palavra,
ponderada e fundamentada, raramente revogando sua decisão. As circunstâncias,
porém, pareciam agora tão extraordinárias que Clark resolveu interpelá-lo.
"Isto significa que o
jornal vai ser publicado sem uma palavra sobre a luta de boxe?"
"Sim, é o que eu
desejo."
"Mas isto nunca
aconteceu. Todos os outros jornais vão publicar a reportagem. Como reagirão
nossos assinantes e leitores avulsos? Isto é simplesmente..."
Clark não pôde continuar,
ficando sem saber o que dizer sobre aquele absurdo.
Norman olhou para ele
pensativamente. O editor responsável era membro de uma igreja de uma
denominação diferente da de Norman. Os dois nunca haviam conversado sobre
questões religiosas, apesar de estarem juntos no jornal por vários anos.
"Venha cá um instante,
Clark, e feche a porta", disse Norman.
Clark aproximou-se e ambos, a
sós, ficaram face a face. Norman silenciou durante um minuto, e em seguida
disse repentinamente:
"Clark, se Cristo fosse
o editor de um jornal diário, você acha honestamente que Ele publicaria três
colunas e meia de uma notícia de pugilismo?"
"Não, penso que Ele não
publicaria."
"Bem, está é a minha
única razão para impedir que esta notícia saia em nosso jornal. Tomei a decisão
de nada fazer no Diário, durante um ano inteiro, que eu honestamente acredite
que Jesus não faria."
Clark não ficaria mais
alarmado se o chefe estivesse sofrendo de uma doença mental. Aliás, ele estava
mesmo pensando que alguma anormalidade tinha acontecido, embora, em seu
julgamento, Eduardo Norman seria a última pessoa no mundo a perder a cabeça.
"Que efeito terá isto
sobre o jornal?" perguntou finalmente Clark numa voz desalentada.
"Qual é sua
opinião?" perguntou Norman com um olhar indagador.
"Acho que isto vai
simplesmente arruinar o jornal", afirmou Clark sem hesitação. Ele recompôs
suas idéias confusas e passou a objetar: "Ora, não é possível atualmente
publicar um jornal baseado nisto. E um idealismo. O mundo não está preparado
para isso. O prejuízo será irreparável. Tão certo quanto o senhor está vivo, se
eliminarmos esta notícia sobre a luta vamos perder centenas de assinantes. Não
é preciso ser profeta para perceber isso. O melhor público da cidade está
ansioso para ler esta reportagem. Ele sabe que a luta se realizou, e quando
receber o jornal espera encontrar pelo menos meia página da notícia. Certamente,
o senhor não pode menosprezar os interesses do público desta forma. É um grande
erro que está sendo cometido, em minha opinião."
Norman nada disse por algum
tempo. Depois falou com calma porém resolutamente.
"Clark, em sua opinião
honesta, qual é a norma perfeita para determinar nosso comportamento? Não é
verdade que o único padrão de conduta para cada pessoa é a provável atitude que
Jesus Cristo tomaria? Diria você que a melhor, a mais alta lei para nossa vida
consiste em fazer a pergunta 'Que faria Jesus?' E isto sem temer as
conseqüências? Em outras palavras, você acredita que os homens em toda parte
devem seguir o exemplo de Jesus tão estritamente como puderem em suas vidas
diárias?" O rosto de Clark ficou vermelho, e ele se mexeu na cadeira desajeitadamente
antes de responder à pergunta do diretor.
"Bem, acho que sim,
supondo que o senhor tome por base o que os homens devem fazer, não há outro
modelo melhor de conduta. Mas a questão é saber o que é viável? Isto vai pagar
as despesas do jornal? Para ser vitorioso neste negócio é preciso adaptar-se
aos costumes e métodos aceitos pela sociedade. Não podemos agir como se
estivéssemos num mundo ideal."
"Você quer dizer que não
podemos publicar o jornal estritamente de acordo com os princípios cristãos e fazer
dele um sucesso?"
"Sim, é exatamente isto
que estou querendo dizer. Seu plano é inviável. Em trinta dias o jornal pára de
circular."
Norman não respondeu
imediatamente. Ele ficou bastante pensativo.
"Vamos ter de falar
sobre isto em outras ocasiões, Clark. Por enquanto, devemos nos entender
francamente. Assumi o compromisso, por um ano, de fazer tudo o que se refira ao
jornal somente depois de responder à pergunta 'Que faria Jesus?' tão
honestamente quanto possível. Vou continuar nesta linha, acreditando não
somente que seremos bem-sucedidos, mas que poderemos alcançar êxito maior do
que já conseguimos."
Clark levantou-se.
"Então a reportagem não vai entrar?"
"Não. Há muitas matérias
boas para ocupar seu espaço, e você sabe quais são."
Clark ficou hesitante.
"O senhor pretende dizer alguma coisa sobre a ausência da
reportagem?"
"Não, deixe que o jornal
vá ao prelo como se não tivesse existido essa luta de boxe ontem."
Clark saiu da sala do diretor
em direção à sua escrivaninha sentindo-se como se lhe faltasse o chão sob os
pés. Estava surpreso, aturdido, excitado e muito irritado. Seu grande respeito
por Norman era desafiado por sua crescente indignação e desgosto, mas sentia-se
principalmente afetado pela dúvida da mudança de orientação acontecida repentinamente
e que contrariava a linha de conduta profissional que o atraíra ao Diário de
Notícias e que agora estava ameaçado de ser destruído, como ele previa
Antes do meio-dia cada
repórter, impressor e empregado do Diário de Notícias estava inteirado do fato
absurdo: o jornal ia ser impresso sem uma palavra sequer sobre a famosa luta de
domingo. Os repórteres ficaram simplesmente abismados quando ouviram a
história. Cada empregado da oficina de composição e montagem das páginas tinha
alguma coisa a dizer sobre a omissão nunca vista. Duas ou três vezes durante o
dia, quando o senhor Norman teve ocasião de vistoriar as oficinas de composição
e montagem, os homens paravam o trabalho e olhavam de esguelha para ele com
curiosidade. Ele sabia que estava sendo observado, porém se manteve calado e
alheio aos olhares desconfiados.
Várias mudanças menores foram
introduzidas no jornal por sugestão do diretor, mas nenhuma delas relevante.
Norman estava esperando e pensando profundamente a este respeito.
O diretor sentia que
precisava de tempo e bastante oportunidade para impor seu melhor julgamento em
vários aspectos antes de responder de forma correta à pergunta-guia sempre
presente em sua mente. Havia muitas coisas a serem mudadas no jornal, que ele
considerava contrárias à vontade de Cristo, mas ele não agiu imediatamente
porque estava honestamente em dúvida com respeito à forma como Jesus faria em
seu lugar.
Quando o Diário de Notícias
foi distribuído naquela tarde, foi notória a decepção de seus assinantes e
compradores.
Se a notícia sobre a luta de
boxe tivesse sido publicada não causaria o mesmo efeito de sua omissão.
Centenas de homens em hotéis e no centro comercial da cidade, além dos
assinantes regulares, abriram ansiosos o jornal procurando em todo ele a
reportagem da luta; não a encontrando, foram apressadamente às bancas de
jornais e compraram outros jornais. Até mesmo os jornaleiros não tinham
percebido a falta da notícia. Um deles proclamava: "Olha o Diário de
Notícias! Reportagem completa da luta de boxe em Resort! Vai jornal,
senhor?"
Um cavalheiro parado na
esquina de uma avenida perto das instalações do Diário de Notícias comprou o
jornal, passou os olhos na primeira página rapidamente e zangado chamou de
volta o jornaleiro.
"Volte aqui. rapaz, o
que há com o seu jornal? Não estou vendo nenhuma notícia da luta aqui! Como
você pode vender jornais velhos?"
"Não vendo nenhum jornal
velho!", respondeu o rapaz indignado. "Este jornal é de hoje. O
senhor está vendo a data?"
"Mas aqui não aparece
nenhuma reportagem da luta. Veja!"
O cavalheiro devolveu o
jornal ao jornaleiro e este olhou para ele rapidamente. O garoto começou então
a assobiar um tanto sem jeito e cabisbaixo. Vendo outro menino oferecendo seus
jornais, ele o chamou: "Sam, quero ver sua pilha de jornais." Uma
verificação feita às pressas revelou o fato estranho: nenhum dos exemplares do
Diário de Notícias trazia, a notícia da luta.
"Venha aqui, me dá outro
jornal!" gritou o comprador; "um que tenha a reportagem da
luta."
Pegou e foi andando, enquanto
os dois garotos ficaram comentando o que estaria acontecendo. "Sam, há
alguma coisa errada com o Diário de Notícias", disse o primeiro menino.
Mas, como não sabia o que havia de errado, correu em direção ao jornal para
saber o que estava se passando.
Havia vários outros
jornaleiros na seção de expedição, todos muito excitados e desgostosos. Os
protestos contra o encarregado da seção à frente do comprido balcão, usando
linguagem de baixo nível, levariam qualquer um ao desespero.
O encarregado da distribuição
estava mais ou menos acostumado com essas pressões diariamente. O senhor Norman
estava descendo as escadas a caminho de sua casa e parou na porta da expedição,
olhando para dentro.
"O que está havendo
aqui, George?" perguntou ao funcionário ao notar a confusão e o vozerio.
"Os rapazes estão
dizendo que não podem vender nenhum exemplar do Diário de Notícias hoje, porque
ele não traz a notícia da luta de boxe, respondeu George, olhando curiosamente
para o diretor como os outros funcionários já tinham feito durante o dia. O
senhor Norman hesitou por instantes, e em seguida entrou na seção e confrontou
os rapazes.
"Quantos jornais vocês
têm aqui? Rapazes, podem contá-los que eu comprarei todos hoje."
Houve uma troca de olhares
espantados entre os garotos que começaram a contar os jornais rapidamente.
"Dê a eles o dinheiro,
George, e se outros jornaleiros vierem com a mesma reclamação, compre todos os
exemplares. Está bem assim?" perguntou ele aos jornaleiros que ficaram
entre surpresos e contentes com o ato nunca visto da parte do diretor.
"Se está bem? Está
ótimo! Mas o senhor vai fazer sempre assim?"
Norman sorriu levemente, mas
preferiu não responder à pergunta.
Deixou o jornal e foi para
casa. Caminhando, não pôde evitar a constante indagação: "Jesus teria feito
isto?" Não era tanto por causa da sua última ação, e sim pela soma de
motivos que o levaram a esta posição desde que assumiu aquele compromisso.
Os jornaleiros eram
inevitavelmente prejudicados pela medida que ele tomou. Por que razão teriam
eles de perder dinheiro com isso? Eles não deveriam ser censurados. Ele era um
homem rico e poderia colocar um pouco de alegria em suas vidas, se o quisesse.
Em sua caminhada até a casa. ele acreditava que Jesus teria feito exatamente o
que ele fez ou alguma coisa parecida, a fim de sentir-se livre de qualquer
sentimento de injustiça.
Ele não estava decidindo
essas questões por qualquer outra razão que não fosse a sua própria conduta.
Não estava em condições de dogmatizar e sentia que poderia somente responder
com seu próprio julgamento e consciência à interpretação da provável atitude de
seu Mestre. A queda da venda do jornal estava de certo modo prevista. Contudo,
ele estava ainda longe de avaliar toda a extensão dos prejuízos do jornal, se
mantivesse sua decisão.
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