sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Capítulo 4 - Em seus passos o que faria Jesus? - Capítulo 4


QUATRO

Durante a semana, Eduardo Norman recebeu numerosas cartas comentando a ausência no Diário de Notícias da reportagem sobre a luta de boxe. Vale a pena transcrever algumas delas.

Sr. Diretor do "Diário"
Prezado Senhor:
Vinha pensando, há algum tempo, em mudar de jornal. Prefiro um jornal bem atualizado, progressista e empreendedor, que atenda aos interesses do público em todos os aspectos. A recente "mancada" de seu jornal recusando-se a publicar a reportagem da luta em Resort levou-me a tomar a decisão de finalmente mudar de jornal. Queira cancelar minha assinatura.

(A carta era assinada por um homem de negócios que tinha sido assinante por muitos anos.)


Sr. Eduardo Norman
Diretor do "Diário de Notícias", Raymond
Meu caro Norman:

Que sensação foi essa que você causou ao povo dessa cidade? Que política nova você está tentando introduzir? Espero que não queira tentar uma "reforma comercial" através da imprensa. É perigoso aventurar-se muito nesta direção. Aceite meu conselho e procure acompanhar os métodos modernos e empreendedores que já têm utilizado com tanto sucesso no "Diário". O povo quer lutas de boxe e coisas parecidas. Dê-lhe o que ele quer e deixe que outros cuidem do negócio de reforma.

(O nome que assinava era o de um velho amigo de Norman, diretor de um diário numa cidade próxima.)

Meu caro Norman:
Apresso-me a escrever-lhe expressando minha apreciação pelo evidente cumprimento de sua promessa. É um belo começo e ninguém reconhece o seu valor mais do que eu. Sei quanto isso pode custar a você. mas não custará tudo. Seu pastor,
Henrique Maxwell

Uma das cartas que ele abriu logo depois de ler a de Maxwell mostrou-lhe uma parte da perda que possivelmente afetaria seu negócio.

Sr. Eduardo Norman
Diretor do "Diário de Notícias"
Prezado Senhor:
Com o término do prazo de publicação de meu anúncio, queira, por gentileza, interromper as inserções que vinham sendo publicadas. Estou juntando um cheque para pagamento total, considerando minha conta com seu jornal encerrada a partir desta data.

(A assinatura era de um dos maiores negociantes de fumo da cidade. Ele costumava publicar uma coluna de propaganda, pela qual pagava grande soma.)

Norman colocou esta carta sobre a mesa pensativamente e, após algum tempo, pegou um exemplar do jornal e percorreu com os olhos as colunas de anúncios. Não houve, da parte do anunciante de fumo, nenhuma referência implícita em sua carta à omissão da luta de boxe no noticiário do jornal, mas ele não pôde deixar de associar uma coisa à outra. Soube, porém, mais tarde que o negociante havia suprimido a propaganda porque tinha ouvido dizer que o diretor do Diário de Notícias iria iniciar uma reforma radical no jornal, que certamente diminuiria seu rol de assinantes.
Entretanto, a carta desse anunciante chamou a atenção de Norman sobre a fase atual da propaganda em seu jornal. Ele não havia considerado isso antes.
Examinando as colunas de anúncios, ele não pôde evitar a convicção de que seu Mestre não poderia permitir alguns deles em seu jornal.
Que faria Jesus, por exemplo, diante daquele enorme anúncio de bebidas e charutos? Como membro de uma igreja e cidadão respeitável, ele não tinha sofrido nenhuma censura por causa dos anúncios de bares em suas colunas. As pessoas viam isso com naturalidade. Todos eram negócios legítimos. Por que não? Raymond era uma cidade que gozava de certa liberdade, e os bares, bilhares e cervejarias compunham o ambiente na civilização cristã. Ele estava fazendo simplesmente o que todos os homens de negócios de Raymond faziam. E, além disso, era uma das melhores fontes de renda. O que aconteceria ao jornal se todos esses anúncios fossem eliminados? Poderia ele sobreviver? Esta era a questão. Mas, e quanto à questão básica, afinal de contas? "Que faria Jesus?" Esta era a pergunta que ele estava respondendo, ou tentando responder esta semana. Jesus anunciaria uísque e cigarro em seu jornal?
Eduardo Norman fez a pergunta honestamente, e após uma oração pedindo ajuda e sabedoria pediu a presença de Clark em seu escritório.
Clark foi, sentindo que o jornal estava em crise, e preparado para o que desse e viesse, desde aquela dura experiência da manhã de segunda-feira. Agora estavam na terça-feira.
"Clark", disse Norman, falando lenta e cuidadosamente, "tenho olhado nossas colunas de anúncios comerciais e decidi dispensar alguns, tão logo terminem os respectivos contratos. Queira, por favor, avisar os agentes de publicidade para não pleitearem a renovação daqueles que estão assinalados.
Ele entregou o jornal com os lugares assinalados para Clark, que o recebeu e passou os olhos pelas colunas com o semblante muito carregado.
"Isto vai representar uma grande perda para o Diário de Notícias. Até quando o senhor acha que pode continuar desta maneira?" Clark estava desnorteado pela atitude do diretor e não conseguia entender tudo aquilo.
"Clark, você acha que se Jesus fosse o diretor e proprietário de um jornal diário em Raymond Ele permitiria que fossem estampados nele anúncios de uísque e cigarro?"
"Bem, não, suponho que Ele não publicaria. Mas, o que isso tem a ver conosco? Não podemos agir como Ele. Os jornais não podem guiar-se por esse padrão."
"Por que não?" perguntou Norman calmamente.
"Por que não? Porque perderão mais dinheiro do que podem receber, esta é a verdade!" Clark falava com uma irritação que realmente estava sentindo. "Vamos com certeza levar o jornal à falência com este tipo de política comercial."
"Você pensa assim?" perguntou Norman, fazendo a pergunta sem esperar por resposta, mas como se estivesse falando consigo mesmo. Depois de uma pausa disse ele:
"Queira orientar Marcos a fazer como acabei de dizer. Creio que isto é o que Cristo faria, e, como já lhe informei, Clark, foi isto que eu prometi tentar fazer por um ano, sem levar em conta as conseqüências. Não posso acreditar que, por uma espécie qualquer de raciocínio, pudéssemos chegar a uma conclusão que justificasse a aprovação de nosso Senhor à propaganda num jornal, em nossa época, de uísque e cigarro. Há ainda alguns outros anúncios de natureza duvidosa que estou examinando. Enquanto isso, sinto convicção quanto a esses que marquei, com os quais não podemos concordar."
Clark retornou a sua mesa tendo a sensação de que tinha estado em presença de uma pessoa muito estranha. Não estava conseguindo entender tudo o que se passava. Estava nervoso e alarmado. Estava certo de que tal orientação iria arruinar o jornal logo que se tornasse público que o diretor estava tentando fazer todas as coisas apoiado num padrão moral tão absurdo. O que sucederia a um negócio qualquer se este modelo fosse adotado? Isso iria provocar uma reviravolta nos costumes e criar uma confusão interminável. Era realmente uma loucura, uma idiotice completa. Era assim que Clark pensava, e quando Marcos foi inteirado do plano de ação, foi solidário com o editor responsável usando expressões enérgicas, como: "O que está havendo com o chefe? Ficou louco? Está querendo levar todo o negócio à bancarrota?"
Entretanto, Norman ainda não tinha enfrentado o problema mais sério. Quando chegou ao jornal na manhã de sexta-feira, teve de tratar do programa habitual da edição matutina de domingo. O Diário de Notícias era um dos poucos jornais vespertinos em Raymond a editar um número especial aos domingos, e por isso alcançara um êxito financeiro considerável. Nessa edição de domingo havia uma página dedicada à leitura e assuntos religiosos e mais umas trinta ou quarenta páginas de esporte, cinema, mexericos, moda, sociedade e política. Com toda essa variedade de temas, e pelo tempo ocioso que as famílias desfrutavam aos domingos, o jornal eram muito bem acolhido por todos os assinantes, membros da igreja e outros que tiravam o dia para descansar. Era uma necessidade nos domingos pela manhã.
Eduardo Norman estava agora diante deste fato e punha diante de si mesmo a pergunta: "Que faria Jesus?" Se Ele fosse o editor de um jornal, planejaria deliberadamente colocar nos lares de todos os membros da igreja e dos cristãos de Raymond tal variedade de leitura justamente no dia da semana que deveria ser dedicado a alguma coisa mais elevada, mais santa? Ele conhecia bem os argumentos habituais a favor do jornal dominical, a saber, que o público tinha necessidade de alguma coisa do gênero e que os operários, especialmente os que de qualquer modo nunca apareciam na igreja, deveriam ter algum tipo de distração e instrução no domingo, único dia de lazer de que dispunham na semana. Mas, admitindo que a edição de domingo não desse lucro? Imaginando que fosse deficitária? Até onde o editor ou proprietário estaria interessado em satisfazer essa necessidade crítica dos pobres operários? Eduardo Norman pensou sincera e demoradamente na questão.
Levando tudo isto em conta, a pergunta natural seria esta: Jesus editaria um jornal aos domingos de manhã? Não se estava pensando no problema econômico. A questão não era esta. Na realidade, o Diário de Notícias de domingo era tão rentável que sua suspensão significaria uma perda de milhares de dólares. Afora isso, os assinantes adquiriram o direito de receber sete jornais por semana. Teria o jornal o direito de oferecer a eles menos do que lhes fora proposto e pelo que pagaram antecipadamente ?
Ele estava realmente atordoado por esse dilema. Eram de tal monta os problemas envolvidos na suspensão da edição dominical que pela primeira vez Norman quase chegou a rejeitar a orientação de seguir a provável ação a tomar pelo padrão de Jesus. Era o único proprietário do jornal, poderia dar-lhe a forma que quisesse. Não tinha nenhum conselho diretor para consultar sobre a política a ser adotada. Cercado do volume habitual de matéria para a edição de domingo, ele já havia definido alguns pontos, entre os quais de chamar os empregados e expor-lhes francamente seus motivos e propósitos. Pediu a presença de Clark e de outros auxiliares do escritório, incluindo alguns repórteres que se encontravam no prédio e os chefes de turmas da composição (ainda era cedo e nem todos haviam chegado) para se reunirem na seção de expedição. Era um lugar bem espaçoso, e os empregados foram chegando um tanto curiosos e se acomodando sentados nas mesas e balcões. Era uma situação incomum, mas estavam todos cientes de que o jornal estava seguindo uma nova orientação, por isso olhavam atentamente para Norman enquanto ele falava.
"Chamei-os para informá-los dos meus novos planos para o Diário de Notícias. Estou propondo certas mudanças que julgo necessárias. Entendo que algumas providências que tomei foram consideradas muito estranhas. Mas desejo esclarecer os motivos que me levaram a essas decisões."
Expôs então aos presentes o que já havia dito a Clark e, como este, eles o olhavam muito assustados.
"Agora, de acordo com este propósito de conduta, cheguei a uma conclusão que, certamente, causará surpresa a todos.
Tomei a decisão de suspender a edição dominical do Diário. No próximo número, que será o último, apresentarei minhas razões para essa interrupção. E a fim de que os leitores não fiquem prejudicados e continuem a receber o mesmo volume de matéria a que têm direito, poderemos oferecer-lhes uma edição dupla aos sábados, como fazem vários jornais vespertinos que não saem aos domingos. Estou convencido de que, do ponto de vista cristão, o jornal de domingo causa mais males do que benefícios aos leitores. Não creio que Jesus seria favorável a um jornal aos domingos, se estivesse em meu lugar hoje. Vamos ter alguns problemas para ajustar com os anunciantes e assinantes em conseqüência desta mudança. Mas este é um assunto que vou tratar pessoalmente. A mudança será, portanto, implantada. Até onde posso enxergar, as perdas que houver serão suportadas por mim. Nem repórteres nem os demais empregados vão precisar fazer qualquer alteração em seus planos."
Norman olhou para todos os presentes e ninguém se manifestou. Pela primeira vez nos anos de atividade do jornal, ele havia reunido todo o seu pessoal desta maneira. Isto o deixou pensativo e surpreso. Jesus faria o mesmo? Dirigiria Ele um jornal como se fossem todos uma só família, em que expusessem suas idéias, discutissem, planejassem para realizar o melhor ideal que abraçaram?
Ele se afastou por momentos da realidade dos sindicatos de tipógrafos e das associações de empregados de escritório e da organização dos repórteres e de todos aqueles métodos comerciais frios que fazem bem-sucedidos os grandes diários. Porém a vaga imagem que lhe veio da seção da expedição ainda estava presente em sua mente ao retornar ao seu escritório e enquanto os homens voltavam para os seus lugares com surpresa em seus olhos e perguntas de todos os tipos em suas línguas ao conversarem sobre a extraordinária medida do diretor.
Clark entrou na sala de Norman e teve com ele uma conversa longa e séria. Ele estava completamente transtornado, e seu protesto o levou a ponto de quase se demitir. Norman conservou uma postura cautelosa. Cada minuto da entrevista era doloroso para ele, não obstante sentir mais do que nunca a necessidade de se conduzir como cristão. Clark era um homem de muito valor. Seria difícil encontrar alguém para o seu lugar. Não podia ele, entretanto, apresentar qualquer justificativa a favor do prosseguimento da edição de domingo que pudesse responder à pergunta "Que faria Jesus?" se Ele fosse imprimir essa edição.
"Chegamos a tal ponto", disse Clark com franqueza, "que o senhor destruirá o jornal em trinta dias. Podemos com certeza encarar essa realidade."
"Não penso dessa forma. Você continuará no Diário até ele fechar?" perguntou Norman com um sorriso estranho.
"Senhor Norman, não o estou compreendendo. O senhor deixou de ser nesta semana o homem que sempre conheci."
"Nem eu tampouco me reconheço, Clark. Há uma força superior que se apoderou de mim e está me impulsionando. Entretanto, nunca estive tão seguro do sucesso final e do poder do jornal. Você não me respondeu: ficará comigo?"
Clark esteve hesitante por uns momentos, mas finalmente respondeu: "Sim." Eles apertaram as mãos e Norman voltou à sua mesa. Clark voltou para sua sala, sacudido por um turbilhão de emoções conflitantes. Ele não tinha lembrança de ter vivido uma semana tão agitada e preocupante. Tinha o sentimento de estar ligado a uma firma que poderia a qualquer momento sofrer um colapso financeiro, arruinando sua vida e a de muitos outros.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado por participar.
Deus abençoe!