QUATRO
Durante a semana, Eduardo
Norman recebeu numerosas cartas comentando a ausência no Diário de Notícias da
reportagem sobre a luta de boxe. Vale a pena transcrever algumas delas.
Sr. Diretor do
"Diário"
Prezado Senhor:
Vinha pensando, há algum
tempo, em mudar de jornal. Prefiro um jornal bem atualizado, progressista e
empreendedor, que atenda aos interesses do público em todos os aspectos. A
recente "mancada" de seu jornal recusando-se a publicar a reportagem
da luta em Resort levou-me a tomar a decisão de finalmente mudar de jornal.
Queira cancelar minha assinatura.
(A carta era assinada por um
homem de negócios que tinha sido assinante por muitos anos.)
Sr. Eduardo Norman
Diretor do "Diário de
Notícias", Raymond
Meu caro Norman:
Que sensação foi essa que
você causou ao povo dessa cidade? Que política nova você está tentando
introduzir? Espero que não queira tentar uma "reforma comercial"
através da imprensa. É perigoso aventurar-se muito nesta direção. Aceite meu
conselho e procure acompanhar os métodos modernos e empreendedores que já têm
utilizado com tanto sucesso no "Diário". O povo quer lutas de boxe e
coisas parecidas. Dê-lhe o que ele quer e deixe que outros cuidem do negócio de
reforma.
(O nome que assinava era o de
um velho amigo de Norman, diretor de um diário numa cidade próxima.)
Meu caro Norman:
Apresso-me a escrever-lhe
expressando minha apreciação pelo evidente cumprimento de sua promessa. É um
belo começo e ninguém reconhece o seu valor mais do que eu. Sei quanto isso
pode custar a você. mas não custará tudo. Seu pastor,
Henrique Maxwell
Uma das cartas que ele abriu
logo depois de ler a de Maxwell mostrou-lhe uma parte da perda que
possivelmente afetaria seu negócio.
Sr. Eduardo Norman
Diretor do "Diário de
Notícias"
Prezado Senhor:
Com o término do prazo de
publicação de meu anúncio, queira, por gentileza, interromper as inserções que
vinham sendo publicadas. Estou juntando um cheque para pagamento total,
considerando minha conta com seu jornal encerrada a partir desta data.
(A assinatura era de um dos
maiores negociantes de fumo da cidade. Ele costumava publicar uma coluna de
propaganda, pela qual pagava grande soma.)
Norman colocou esta carta
sobre a mesa pensativamente e, após algum tempo, pegou um exemplar do jornal e
percorreu com os olhos as colunas de anúncios. Não houve, da parte do
anunciante de fumo, nenhuma referência implícita em sua carta à omissão da luta
de boxe no noticiário do jornal, mas ele não pôde deixar de associar uma coisa
à outra. Soube, porém, mais tarde que o negociante havia suprimido a propaganda
porque tinha ouvido dizer que o diretor do Diário de Notícias iria iniciar uma
reforma radical no jornal, que certamente diminuiria seu rol de assinantes.
Entretanto, a carta desse
anunciante chamou a atenção de Norman sobre a fase atual da propaganda em seu
jornal. Ele não havia considerado isso antes.
Examinando as colunas de
anúncios, ele não pôde evitar a convicção de que seu Mestre não poderia
permitir alguns deles em seu jornal.
Que faria Jesus, por exemplo,
diante daquele enorme anúncio de bebidas e charutos? Como membro de uma igreja
e cidadão respeitável, ele não tinha sofrido nenhuma censura por causa dos
anúncios de bares em suas colunas. As pessoas viam isso com naturalidade. Todos
eram negócios legítimos. Por que não? Raymond era uma cidade que gozava de
certa liberdade, e os bares, bilhares e cervejarias compunham o ambiente na
civilização cristã. Ele estava fazendo simplesmente o que todos os homens de
negócios de Raymond faziam. E, além disso, era uma das melhores fontes de
renda. O que aconteceria ao jornal se todos esses anúncios fossem eliminados?
Poderia ele sobreviver? Esta era a questão. Mas, e quanto à questão básica,
afinal de contas? "Que faria Jesus?" Esta era a pergunta que ele
estava respondendo, ou tentando responder esta semana. Jesus anunciaria uísque
e cigarro em seu jornal?
Eduardo Norman fez a pergunta
honestamente, e após uma oração pedindo ajuda e sabedoria pediu a presença de
Clark em seu escritório.
Clark foi, sentindo que o
jornal estava em crise, e preparado para o que desse e viesse, desde aquela
dura experiência da manhã de segunda-feira. Agora estavam na terça-feira.
"Clark", disse
Norman, falando lenta e cuidadosamente, "tenho olhado nossas colunas de
anúncios comerciais e decidi dispensar alguns, tão logo terminem os respectivos
contratos. Queira, por favor, avisar os agentes de publicidade para não
pleitearem a renovação daqueles que estão assinalados.
Ele entregou o jornal com os
lugares assinalados para Clark, que o recebeu e passou os olhos pelas colunas
com o semblante muito carregado.
"Isto vai representar
uma grande perda para o Diário de Notícias. Até quando o senhor acha que pode
continuar desta maneira?" Clark estava desnorteado pela atitude do diretor
e não conseguia entender tudo aquilo.
"Clark, você acha que se
Jesus fosse o diretor e proprietário de um jornal diário em Raymond Ele
permitiria que fossem estampados nele anúncios de uísque e cigarro?"
"Bem, não, suponho que
Ele não publicaria. Mas, o que isso tem a ver conosco? Não podemos agir como
Ele. Os jornais não podem guiar-se por esse padrão."
"Por que não?"
perguntou Norman calmamente.
"Por que não? Porque
perderão mais dinheiro do que podem receber, esta é a verdade!" Clark
falava com uma irritação que realmente estava sentindo. "Vamos com certeza
levar o jornal à falência com este tipo de política comercial."
"Você pensa assim?"
perguntou Norman, fazendo a pergunta sem esperar por resposta, mas como se
estivesse falando consigo mesmo. Depois de uma pausa disse ele:
"Queira orientar Marcos
a fazer como acabei de dizer. Creio que isto é o que Cristo faria, e, como já
lhe informei, Clark, foi isto que eu prometi tentar fazer por um ano, sem levar
em conta as conseqüências. Não posso acreditar que, por uma espécie qualquer de
raciocínio, pudéssemos chegar a uma conclusão que justificasse a aprovação de
nosso Senhor à propaganda num jornal, em nossa época, de uísque e cigarro. Há
ainda alguns outros anúncios de natureza duvidosa que estou examinando.
Enquanto isso, sinto convicção quanto a esses que marquei, com os quais não
podemos concordar."
Clark retornou a sua mesa
tendo a sensação de que tinha estado em presença de uma pessoa muito estranha.
Não estava conseguindo entender tudo o que se passava. Estava nervoso e
alarmado. Estava certo de que tal orientação iria arruinar o jornal logo que se
tornasse público que o diretor estava tentando fazer todas as coisas apoiado
num padrão moral tão absurdo. O que sucederia a um negócio qualquer se este
modelo fosse adotado? Isso iria provocar uma reviravolta nos costumes e criar
uma confusão interminável. Era realmente uma loucura, uma idiotice completa.
Era assim que Clark pensava, e quando Marcos foi inteirado do plano de ação,
foi solidário com o editor responsável usando expressões enérgicas, como:
"O que está havendo com o chefe? Ficou louco? Está querendo levar todo o
negócio à bancarrota?"
Entretanto, Norman ainda não
tinha enfrentado o problema mais sério. Quando chegou ao jornal na manhã de
sexta-feira, teve de tratar do programa habitual da edição matutina de domingo.
O Diário de Notícias era um dos poucos jornais vespertinos em Raymond a editar
um número especial aos domingos, e por isso alcançara um êxito financeiro
considerável. Nessa edição de domingo havia uma página dedicada à leitura e
assuntos religiosos e mais umas trinta ou quarenta páginas de esporte, cinema,
mexericos, moda, sociedade e política. Com toda essa variedade de temas, e pelo
tempo ocioso que as famílias desfrutavam aos domingos, o jornal eram muito bem
acolhido por todos os assinantes, membros da igreja e outros que tiravam o dia
para descansar. Era uma necessidade nos domingos pela manhã.
Eduardo Norman estava agora
diante deste fato e punha diante de si mesmo a pergunta: "Que faria
Jesus?" Se Ele fosse o editor de um jornal, planejaria deliberadamente
colocar nos lares de todos os membros da igreja e dos cristãos de Raymond tal
variedade de leitura justamente no dia da semana que deveria ser dedicado a
alguma coisa mais elevada, mais santa? Ele conhecia bem os argumentos habituais
a favor do jornal dominical, a saber, que o público tinha necessidade de alguma
coisa do gênero e que os operários, especialmente os que de qualquer modo nunca
apareciam na igreja, deveriam ter algum tipo de distração e instrução no
domingo, único dia de lazer de que dispunham na semana. Mas, admitindo que a
edição de domingo não desse lucro? Imaginando que fosse deficitária? Até onde o
editor ou proprietário estaria interessado em satisfazer essa necessidade
crítica dos pobres operários? Eduardo Norman pensou sincera e demoradamente na
questão.
Levando tudo isto em conta, a
pergunta natural seria esta: Jesus editaria um jornal aos domingos de manhã?
Não se estava pensando no problema econômico. A questão não era esta. Na
realidade, o Diário de Notícias de domingo era tão rentável que sua suspensão
significaria uma perda de milhares de dólares. Afora isso, os assinantes
adquiriram o direito de receber sete jornais por semana. Teria o jornal o
direito de oferecer a eles menos do que lhes fora proposto e pelo que pagaram
antecipadamente ?
Ele estava realmente
atordoado por esse dilema. Eram de tal monta os problemas envolvidos na
suspensão da edição dominical que pela primeira vez Norman quase chegou a
rejeitar a orientação de seguir a provável ação a tomar pelo padrão de Jesus.
Era o único proprietário do jornal, poderia dar-lhe a forma que quisesse. Não
tinha nenhum conselho diretor para consultar sobre a política a ser adotada.
Cercado do volume habitual de matéria para a edição de domingo, ele já havia
definido alguns pontos, entre os quais de chamar os empregados e expor-lhes
francamente seus motivos e propósitos. Pediu a presença de Clark e de outros
auxiliares do escritório, incluindo alguns repórteres que se encontravam no
prédio e os chefes de turmas da composição (ainda era cedo e nem todos haviam
chegado) para se reunirem na seção de expedição. Era um lugar bem espaçoso, e
os empregados foram chegando um tanto curiosos e se acomodando sentados nas
mesas e balcões. Era uma situação incomum, mas estavam todos cientes de que o
jornal estava seguindo uma nova orientação, por isso olhavam atentamente para
Norman enquanto ele falava.
"Chamei-os para
informá-los dos meus novos planos para o Diário de Notícias. Estou propondo
certas mudanças que julgo necessárias. Entendo que algumas providências que
tomei foram consideradas muito estranhas. Mas desejo esclarecer os motivos que
me levaram a essas decisões."
Expôs então aos presentes o
que já havia dito a Clark e, como este, eles o olhavam muito assustados.
"Agora, de acordo com
este propósito de conduta, cheguei a uma conclusão que, certamente, causará
surpresa a todos.
Tomei a decisão de suspender
a edição dominical do Diário. No próximo número, que será o último, apresentarei
minhas razões para essa interrupção. E a fim de que os leitores não fiquem
prejudicados e continuem a receber o mesmo volume de matéria a que têm direito,
poderemos oferecer-lhes uma edição dupla aos sábados, como fazem vários jornais
vespertinos que não saem aos domingos. Estou convencido de que, do ponto de
vista cristão, o jornal de domingo causa mais males do que benefícios aos
leitores. Não creio que Jesus seria favorável a um jornal aos domingos, se
estivesse em meu lugar hoje. Vamos ter alguns problemas para ajustar com os
anunciantes e assinantes em conseqüência desta mudança. Mas este é um assunto
que vou tratar pessoalmente. A mudança será, portanto, implantada. Até onde
posso enxergar, as perdas que houver serão suportadas por mim. Nem repórteres
nem os demais empregados vão precisar fazer qualquer alteração em seus
planos."
Norman olhou para todos os
presentes e ninguém se manifestou. Pela primeira vez nos anos de atividade do
jornal, ele havia reunido todo o seu pessoal desta maneira. Isto o deixou
pensativo e surpreso. Jesus faria o mesmo? Dirigiria Ele um jornal como se
fossem todos uma só família, em que expusessem suas idéias, discutissem,
planejassem para realizar o melhor ideal que abraçaram?
Ele se afastou por momentos
da realidade dos sindicatos de tipógrafos e das associações de empregados de
escritório e da organização dos repórteres e de todos aqueles métodos
comerciais frios que fazem bem-sucedidos os grandes diários. Porém a vaga
imagem que lhe veio da seção da expedição ainda estava presente em sua mente ao
retornar ao seu escritório e enquanto os homens voltavam para os seus lugares
com surpresa em seus olhos e perguntas de todos os tipos em suas línguas ao
conversarem sobre a extraordinária medida do diretor.
Clark entrou na sala de
Norman e teve com ele uma conversa longa e séria. Ele estava completamente
transtornado, e seu protesto o levou a ponto de quase se demitir. Norman
conservou uma postura cautelosa. Cada minuto da entrevista era doloroso para
ele, não obstante sentir mais do que nunca a necessidade de se conduzir como
cristão. Clark era um homem de muito valor. Seria difícil encontrar alguém para
o seu lugar. Não podia ele, entretanto, apresentar qualquer justificativa a
favor do prosseguimento da edição de domingo que pudesse responder à pergunta
"Que faria Jesus?" se Ele fosse imprimir essa edição.
"Chegamos a tal
ponto", disse Clark com franqueza, "que o senhor destruirá o jornal
em trinta dias. Podemos com certeza encarar essa realidade."
"Não penso dessa forma.
Você continuará no Diário até ele fechar?" perguntou Norman com um sorriso
estranho.
"Senhor Norman, não o
estou compreendendo. O senhor deixou de ser nesta semana o homem que sempre
conheci."
"Nem eu tampouco me
reconheço, Clark. Há uma força superior que se apoderou de mim e está me
impulsionando. Entretanto, nunca estive tão seguro do sucesso final e do poder
do jornal. Você não me respondeu: ficará comigo?"
Clark esteve hesitante por
uns momentos, mas finalmente respondeu: "Sim." Eles apertaram as mãos
e Norman voltou à sua mesa. Clark voltou para sua sala, sacudido por um
turbilhão de emoções conflitantes. Ele não tinha lembrança de ter vivido uma
semana tão agitada e preocupante. Tinha o sentimento de estar ligado a uma
firma que poderia a qualquer momento sofrer um colapso financeiro, arruinando
sua vida e a de muitos outros.
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