quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Capítulo 2 - Em seus passos o que faria Jesus? - Capítulo 2


DOIS

Henrique Maxwell e um grupo de membros da igreja permaneceram no gabinete pastoral por algum tempo. O homem estava estendido num sofá e respirava com dificuldade. Quando surgiu a dúvida sobre o que fazer com o estranho, o pastor fez questão de que ele ficasse em sua própria casa: ele morava perto e tinha um quarto disponível. Raquel Winslow também ofereceu seus préstimos:
"Mamãe não tem nenhum hóspede atualmente. Estou certo de que ela gostaria de acomodá-lo em casa."
Ela parecia bastante agitada. Ninguém, entretanto, notou porque estavam todos excitados com o estranho acontecimento, o mais estranho até então havido na Primeira Igreja. O ministro, porém, insistiu em cuidar do homem e, quando chegou a carruagem, aquela figura inconsciente foi levada para a casa pastoral; e com a entrada daquele ser no quarto que lhe foi destinado iniciava-se um novo capítulo na vida de Henrique Maxwell, mas ninguém, nem ele mesmo, podia imaginar a mudança que aquele episódio iria desencadear na vida dos discípulos cristãos de Raymond.
O acontecimento causou uma grande sensação entre os membros da Primeira Igreja. Não se falava de outra coisa durante a semana. Houve um consenso geral de que o homem havia entrado na igreja em condição mental precária por causa de seus problemas e de sua fraqueza física, e que por todo o tempo que lá esteve ele sofreu um delírio febril, falando completamente alheio à noção do lugar em que se achava. Era a impressão mais piedosa que se tinha a respeito de seu ato. Havia um ponto de vista comum também de que não houve qualquer amargura ou reprovação em suas palavras. Do começo ao fim, ele falou equilibrada e suavemente, como se fosse um membro da congregação buscando esclarecimento para um assunto muito difícil.
Três dias após ser levado à casa do pastor, houve alguma mudança em sua condição. O médico comentou sobre isso, mas não deu muita esperança. No sábado pela manhã, seu estado era estacionado, embora tivesse piorado rapidamente no final da semana. Domingo de madrugada, pouco antes de o relógio marcar uma hora, ele reagiu e perguntou pela filha, se ela tinha chegado. Maxwell providenciara a vinda da menina depois de encontrar uma carta no bolso do enfermo com o endereço onde ela estava. Desde que tivera o desmaio, poucas foram as vezes em que ele recobrou a consciência e falou coerentemente.
"A menina está vindo para cá; deve chegar logo", respondeu Maxwell ao sentar-se a seu lado, trazendo no rosto as marcas do abatimento produzido por uma semana de vigília, uma vez que fez questão de ficar velando todas as noites.
"Nunca mais verei minha filha neste mundo", sussurrou o homem, acrescentando com grande esforço: "O senhor foi muito bom para mim. Sinto que é isto o que Jesus faria."
Em poucos minutos virou ligeiramente a cabeça, e antes que Maxwell pudesse notar, o médico disse em voz baixa: "Ele morreu." A manhã que raiou no domingo sobre Raymond foi igualzinha à manhã do domingo anterior. Henrique Maxwell subiu ao púlpito e deparou com uma das maiores audiências até então reunidas na Primeira Igreja. Ele estava abatido, parecendo ter saído de uma longa enfermidade. Sua esposa estava em casa cuidando da menina que tinha chegado no trem da manhã uma hora depois que seu pai falecera. O cadáver estava naquele mesmo quarto. Sua lutas haviam cessado e Maxwell podia ver-lhe o rosto, enquanto manuseava a Bíblia e colocava em ordem os diversos avisos a serem dados do púlpito, como tinha o hábito de fazer durante dez anos.
O serviço de culto daquela manhã trazia um elemento novo.
Ninguém se recordava de alguma vez que Henrique Maxwell tenha pregado pela manhã sem anotações. Na realidade ele tinha feito isso acidentalmente logo no início de seu pastorado, mas havia já muito tempo que ele escrevia cuidadosamente cada palavra de seu sermão matutino, e muitas vezes fazia o mesmo com o sermão da noite. O sermão desta manhã não poderia ser considerado um peça oratória admirável, como de costume. Ele falava com visível hesitação. Percebia-se que alguma grande idéia se agitava em sua mente na tentativa de ser exposta, mas ela não se expressava através do tema que tinha escolhido para pregar. Perto do final do sermão ele reuniu as forças que lhe faltaram no começo.
Fechou a Bíblia e, deslocando-se para o lado do púlpito, olhou para seu auditório e começou a falar sobre a cena incomum do último domingo.
"Nosso irmão", e as palavras soavam de um modo estranho, "faleceu nesta manhã. Ainda não tive tempo de conhecer toda a sua história. Ele tinha uma irmã que vive em Chicago, Escrevi a ela, mas ainda não tive resposta. Sua filhinha chegou e ficará conosco por algum tempo."
Fez uma pausa e encarou a congregação. Constatou nunca ter visto tantas faces compenetradas durante todo o seu ministério. Ele não se sentia capaz de transmitir a seu público todas as suas experiências, as crises íntimas que ainda o oprimiam. Mas algo de seus sentimentos fluía dele para eles, e parecia estar agindo sob um impulso controlado e consciente para comunicar-lhes alguma coisa da mensagem que guardava em seu coração.
E, assim, continuou:
"A aparência e as palavras daquele estranho aqui nesta igreja, no último domingo, causaram em mim uma impressão muito forte. Não sou capaz de esconder de vocês ou de mim mesmo o fato de que o que ele disse, seguido de sua morte em minha casa, tem-me compelido a perguntar, como nunca fiz antes, 'o que significa seguir a Jesus'. Não estou em condições de atribuir qualquer culpa a quem quer que seja nesta igreja ou de condenar seu comportamento cristão, tanto em relação a esse homem como a outras pessoas que vivem em idênticas condições neste mundo. Entretanto, isto não me impede de concordar com as palavras ditas aqui por aquele homem. Ele tocou numa verdade vital que devemos encarar e à qual devemos tentar responder, ou então aceitar as acusações e condenações que nos foram dirigidas ou, pior ainda, reconhecer que fracassamos como discípulos de Cristo. O que nos foi dito no último domingo é essencialmente um desafio ao Cristianismo atualmente praticado em nossas igrejas. Tenho sentido isto de modo crescente a cada dia que passa.
"Creio que nunca houve nesta igreja um momento tão apropriado para lhes propor um plano, ou propósito, que se vem formando em minha mente, como reação positiva a muito do que foi dito no domingo anterior."
Henrique Maxwell fez uma nova pausa e olhou fixamente o público. Ali se encontravam homens e mulheres consagrados e de peso na Primeira Igreja.
Ele pôde ver entre os presentes Eduardo Norman, diretor do Diário de Notícias. Ele tinha sido membro da Primeira Igreja por dez anos. Ninguém havia mais respeitado na comunidade do que ele. Lá estavam também Alexandre Powers, gerente das grandes oficinas da ferrovia de Raymond. um típico ferroviário que tinha nascido naquela atividade. E também Donald Marsh, diretor do Colégio Lincoln, localizado num subúrbio de Raymond. Via Milton Wright, um dos grandes homens de negócios da cidade, que empregava em suas lojas no mínimo cem pessoas. Presente estava também o Dr. West, que. embora relativamente moço, era uma autoridade famosa em casos de cirurgia especial. Havia ainda o jovem Jasper Chase, autor que tivera um grande sucesso com um livro e dizia-se que estava preparando um novo romance. Lá estava a senhorita Virgínia Page, uma herdeira a quem a morte do pai havia deixado uma fortuna superior a um milhão de dólares, e que era possuidora também de atrativos pessoais e intelectuais. E, não menos importante do que todos os outros, Raquel Winslow, cuja beleza se destacava no coro e cujo rosto luminoso nessa manhã parecia ainda mais belo em razão de seu profundo interesse em toda aquela cena.
Havia alguma razão, certamente, diante desse patrimônio superior de mentes e corações da Primeira Igreja, para que o Pastor Maxwell se animasse diante de quaisquer novas empreitadas. O corpo de membros da igreja era efetivamente um conjunto de fortes caracteres. Mas, ao observar seus rostos nessa manhã, ele se indagava a respeito da reação que teriam diante da proposição que lhes ia apresentar. Quantos aprovariam e se envolveriam? Ele prosseguiu lentamente, escolhendo cuidadosamente as palavras, dando aos presentes uma impressão jamais sentida, mesmo quando pregava num estilo fulgurante e dramático.
"O que lhes vou propor neste momento é um plano que não deve parecer incomum ou de realização impossível. Imagino, porém, que muitos dos membros o considerem irrealizável. Para que não haja dúvida sobre tal propósito, vou expô-lo da forma mais simples e direta. Estou convocando pessoas da Primeira Igreja que voluntariamente se disponham devotada e sinceramente, pelo período de um ano, a não fazer qualquer coisa sem antes perguntar: 'Que faria Jesus?" E depois de fazer esta pergunta, cada um seguirá a Jesus e procederá exatamente como Ele faria se estivesse em lugar de cada um de nós, seja qual for o resultado dessa atitude. Vou também associar-me a esse grupo de voluntários, certo de que a igreja não ficará surpresa diante de minha conduta daqui para frente, baseada neste modelo de ação, nem se oporá ao nosso modo de ser e agir de acordo com a vontade de Cristo. Ficou bem clara a idéia? Ao encerrar-se o culto quero que todas as pessoas desejosas de integrar nosso grupo permaneçam para conhecer os detalhes do plano. Nosso lema será: “Que faria Jesus?" Nosso objetivo será fazer exatamente o que Ele faria em nosso lugar, sejam quais forem as conseqüências. Em outras palavras, estamos dispostos a seguir os passos de Jesus tão estritamente e tão literalmente do modo como acreditamos que Ele ensinou aos seus discípulos. E aqueles que se apresentarem voluntariamente assumirão o compromisso de, durante um ano inteiro, a partir de hoje, agir desta forma."
Henrique Maxwell fez outra pausa e olhou firme para a congregação. Não é fácil relatar a sensação que uma proposta tão simples causou naquela gente. Os olhares se cruzavam denotando surpresa e admiração. O ministro nunca lhes tinha falado dessa maneira sobre o discipulado cristão. Havia uma evidente confusão de pensamentos a respeito daquela situação nova. A proposta foi perfeitamente compreendida, mas havia, aparentemente, grande diferença de opiniões sobre a aplicação do ensino e exemplo de Jesus.
O pastor encerrou calmamente o culto com uma breve oração. O organista tocou o poslúdio logo após a bênção apostólica e o povo começou a levantar-se. Grupos se formaram em todos os cantos e se puseram a discutir animadamente a proposta do ministro. Depois de alguns minutos Maxwell pediu a todos os que resolveram permanecer que se dirigissem à ampla biblioteca, ao lado do salão de culto. Conversou com várias pessoas à saída da igreja e, quando finalmente voltou para o templo, este estava vazio. Encaminhou-se então à biblioteca. Ficou surpreso com o número de pessoas que lá encontrou. Ele nunca menosprezou a capacidade de consagração e responsabilidade de seu rebanho, mas dificilmente esperava encontrar ali tantas pessoas dispostas a engajar-se literalmente nesta prova de fidelidade cristã. Havia provavelmente umas cinqüenta pessoas na biblioteca, entre elas Raquel Winslow e Virgínia Page, o sr. Norman, o diretor Marsh, Alexandre Powers, gerente das oficinas ferroviárias, Milton Wright, o Dr. West e Jasper Chase.
Fechou a porta da biblioteca e se colocou diante do grupo. Seu rosto estava pálido e seus lábios tremiam de tanta emoção. Era uma verdadeira crise em sua vida e na vida de sua congregação. Ninguém sabe até que ponto pode ser conduzido pelo Espírito divino quando decide mudar o rumo de sua vida — seus hábitos, suas convicções, suas palavras e seus atos. Ele próprio, como já foi dito, não sabia até então tudo o que deveria passar, mas estava consciente de que passaria por uma comoção no conceito cristão do discipulado, possuído de um sentimento profundo de consagração que não podia medir naquele momento diante daqueles rostos de homens e mulheres.
Pareceu-lhe que a palavra mais apropriada a ser dita inicialmente seria uma palavra de oração. Então o pastor pediu que todos orassem com ele. E às primeiras palavras pronunciadas sentiu-se nitidamente a presença do Espírito naquele lugar. À medida que a oração prosseguia, aquela presença aumentava em poder. Todos o sentiram. O lugar e os corações ficaram de tal modo tomados pelo poder do Espírito, como se Ele fosse visível. Quando terminou a oração houve silêncio por algum tempo. Todos tinham as cabeças inclinadas, o rosto de Maxwell estava banhado de lágrimas. Se alguma voz audível descesse do céu naquele instante para sancionar aquele voto de seguir os passos do Mestre, nenhum dos presentes se sentiria mais seguro da bênção divina que lhes foi concedida. Iniciou-se assim o movimento mais solene jamais realizado na Primeira Igreja de Raymond.
"Todos compreendemos", disse ele, com voz muito calma, "o que o que nos propusemos fazer. Temos o compromisso de fazer toda e qualquer coisa em nossas vidas diárias depois de fazer a pergunta: 'Que faria Jesus?' e seguir seu exemplo independentemente do que vier a acontecer depois dessa decisão. Daqui a alguns dias terei condições de contar a vocês a mudança maravilhosa que aconteceu em minha vida, digamos em uma semana. Neste momento não posso. Mas a experiência que vivi desde domingo passado causou-me tal insatisfação com minha interpretação anterior do que significa ser cristão que me senti convocado a tomar esta posição. Resolvi não começar sozinho. Sei que estou sendo guiado pela mão de Deus em tudo isto. E o mesmo impulso divino deve conduzir vocês também.
"'Será que todos nós entendemos perfeitamente o que estamos começando a fazer?"
"Quero fazer uma pergunta", disse Raquel Winslow. Todos se voltaram para ela. Seu rosto tinha uma beleza fulgurante que nenhum encanto físico poderia jamais criar.
"Tenho uma pequena dúvida sobre o que exatamente Jesus faria. Quem vai decidir precisamente o que Ele faria em minha situação? Vivemos numa época diferente. Há numerosas questões complexas em nossa vida diária que não estão mencionadas nos ensinamentos de Cristo. Como eu poderia, em certas circunstâncias, agir como Ele?"
"Não existe outro caminho que eu conheça", respondeu o pastor, "a não ser através do Espírito Santo. Vocês se lembram do que Jesus disse a seus discípulos sobre o Espírito Santo: 'Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorifícará, porque há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar. Tudo quanto o Pai tem é meu; por isso é que vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar' (Jo 16.13-15). Não tenho conhecimento de outro meio de saber qual é a vontade de Cristo. Teremos de decidir como agir como Ele indo a essa fonte de conhecimento."
"E se os outros nos disserem, quando fizermos certas coisas, que Jesus não faria isso?", perguntou Alexandre Powers, gerente das oficinas ferroviárias.
"Não podemos impedir que isso aconteça. Devemos, isto sim, ser absolutamente honestos conosco mesmos. O modelo cristão não pode variar na maioria de nossos atos."
"Ocorre às vezes que um membro da igreja pensa que Jesus faria alguma coisa, e outro crente se recusa a aceitar tal coisa como uma atitude que Cristo tomaria. Como uniformizar um padrão de conduta cristã, de modo que fosse possível chegar sempre às mesmas conclusões em todos os casos?" perguntou o diretor Marsh.
Maxwell ficou em silêncio por um momento e em seguida replicou: "Não. Acredito que não devemos esperar por isso. Entretanto, quando seguimos os passos de Jesus com toda sinceridade e iluminados pelo Espírito, não posso acreditar que haja qualquer confusão em nossas mentes ou no julgamento que outros façam a nosso respeito. Devemos evitar o fanatismo, de um lado, e ter muita cautela, de outro lado. Se o exemplo de Jesus é aquele que o mundo deve imitar, certamente esse exemplo deve ser praticável. Mas precisamos nos lembrar deste grande fato: depois de perguntarmos ao Espírito o que Jesus faria e recebermos a resposta para isso, devemos agir positivamente, qualquer que seja o resultado ou conseqüência que recaia sobre nós. Está bem entendido?'"
Todos os rostos na biblioteca se voltaram para o ministro num solene gesto de aceitação. Sua proposta foi perfeitamente compreendida. O rosto de Henrique Maxwell voltou a tremer quando notou a presença do presidente da Sociedade do Esforço Cristão acompanhado de vários dos seus membros, sentados atrás dos mais velhos.
Permaneceram mais alguns minutos trocando idéias sobre detalhes e fazendo-se perguntas, tendo ficado marcada uma reunião dominical regular para que cada um contasse suas experiências ao colocar em prática o plano de seguir a Jesus, como ficou combinado. O Pastor Maxwell orou novamente. E novamente, como antes, o Espírito Santo se manifestou. Todos inclinaram suas cabeças por um longo tempo. Em seguida saíram em silêncio. A emoção lhes impedia a fala. Maxwell apertava as mãos de todos ao se despedirem. Em seguida entrou em seu gabinete, atrás do púlpito e ajoelhou-se. Ficou ali sozinho cerca de meia hora. Quando chegou a casa foi até o quarto onde jazia o corpo morto. Ao olhar para aquele rosto clamou a Deus por força e sabedoria. Entretanto, não pôde então avaliar que se iniciara um movimento que certamente levaria a uma série de acontecimentos extraordinários que a cidade de Raymond jamais tinha visto.

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