DOIS
Henrique Maxwell e um grupo
de membros da igreja permaneceram no gabinete pastoral por algum tempo. O homem
estava estendido num sofá e respirava com dificuldade. Quando surgiu a dúvida
sobre o que fazer com o estranho, o pastor fez questão de que ele ficasse em
sua própria casa: ele morava perto e tinha um quarto disponível. Raquel Winslow
também ofereceu seus préstimos:
"Mamãe não tem nenhum
hóspede atualmente. Estou certo de que ela gostaria de acomodá-lo em
casa."
Ela parecia bastante agitada.
Ninguém, entretanto, notou porque estavam todos excitados com o estranho
acontecimento, o mais estranho até então havido na Primeira Igreja. O ministro,
porém, insistiu em cuidar do homem e, quando chegou a carruagem, aquela figura
inconsciente foi levada para a casa pastoral; e com a entrada daquele ser no
quarto que lhe foi destinado iniciava-se um novo capítulo na vida de Henrique
Maxwell, mas ninguém, nem ele mesmo, podia imaginar a mudança que aquele
episódio iria desencadear na vida dos discípulos cristãos de Raymond.
Três dias após ser levado à
casa do pastor, houve alguma mudança em sua condição. O médico comentou sobre
isso, mas não deu muita esperança. No sábado pela manhã, seu estado era
estacionado, embora tivesse piorado rapidamente no final da semana. Domingo de
madrugada, pouco antes de o relógio marcar uma hora, ele reagiu e perguntou
pela filha, se ela tinha chegado. Maxwell providenciara a vinda da menina
depois de encontrar uma carta no bolso do enfermo com o endereço onde ela
estava. Desde que tivera o desmaio, poucas foram as vezes em que ele recobrou a
consciência e falou coerentemente.
"A menina está vindo
para cá; deve chegar logo", respondeu Maxwell ao sentar-se a seu lado,
trazendo no rosto as marcas do abatimento produzido por uma semana de vigília,
uma vez que fez questão de ficar velando todas as noites.
"Nunca mais verei minha
filha neste mundo", sussurrou o homem, acrescentando com grande esforço:
"O senhor foi muito bom para mim. Sinto que é isto o que Jesus
faria."
Em poucos minutos virou
ligeiramente a cabeça, e antes que Maxwell pudesse notar, o médico disse em voz
baixa: "Ele morreu." A manhã que raiou no domingo sobre Raymond foi
igualzinha à manhã do domingo anterior. Henrique Maxwell subiu ao púlpito e
deparou com uma das maiores audiências até então reunidas na Primeira Igreja.
Ele estava abatido, parecendo ter saído de uma longa enfermidade. Sua esposa
estava em casa cuidando da menina que tinha chegado no trem da manhã uma hora
depois que seu pai falecera. O cadáver estava naquele mesmo quarto. Sua lutas
haviam cessado e Maxwell podia ver-lhe o rosto, enquanto manuseava a Bíblia e
colocava em ordem os diversos avisos a serem dados do púlpito, como tinha o
hábito de fazer durante dez anos.
O serviço de culto daquela
manhã trazia um elemento novo.
Ninguém se recordava de
alguma vez que Henrique Maxwell tenha pregado pela manhã sem anotações. Na
realidade ele tinha feito isso acidentalmente logo no início de seu pastorado,
mas havia já muito tempo que ele escrevia cuidadosamente cada palavra de seu
sermão matutino, e muitas vezes fazia o mesmo com o sermão da noite. O sermão
desta manhã não poderia ser considerado um peça oratória admirável, como de
costume. Ele falava com visível hesitação. Percebia-se que alguma grande idéia
se agitava em sua mente na tentativa de ser exposta, mas ela não se expressava
através do tema que tinha escolhido para pregar. Perto do final do sermão ele reuniu
as forças que lhe faltaram no começo.
Fechou a Bíblia e,
deslocando-se para o lado do púlpito, olhou para seu auditório e começou a
falar sobre a cena incomum do último domingo.
"Nosso irmão", e as
palavras soavam de um modo estranho, "faleceu nesta manhã. Ainda não tive
tempo de conhecer toda a sua história. Ele tinha uma irmã que vive em Chicago,
Escrevi a ela, mas ainda não tive resposta. Sua filhinha chegou e ficará
conosco por algum tempo."
Fez uma pausa e encarou a
congregação. Constatou nunca ter visto tantas faces compenetradas durante todo
o seu ministério. Ele não se sentia capaz de transmitir a seu público todas as
suas experiências, as crises íntimas que ainda o oprimiam. Mas algo de seus
sentimentos fluía dele para eles, e parecia estar agindo sob um impulso
controlado e consciente para comunicar-lhes alguma coisa da mensagem que
guardava em seu coração.
E, assim, continuou:
"A aparência e as
palavras daquele estranho aqui nesta igreja, no último domingo, causaram em mim
uma impressão muito forte. Não sou capaz de esconder de vocês ou de mim mesmo o
fato de que o que ele disse, seguido de sua morte em minha casa, tem-me
compelido a perguntar, como nunca fiz antes, 'o que significa seguir a Jesus'.
Não estou em condições de atribuir qualquer culpa a quem quer que seja nesta
igreja ou de condenar seu comportamento cristão, tanto em relação a esse homem
como a outras pessoas que vivem em idênticas condições neste mundo. Entretanto,
isto não me impede de concordar com as palavras ditas aqui por aquele homem.
Ele tocou numa verdade vital que devemos encarar e à qual devemos tentar
responder, ou então aceitar as acusações e condenações que nos foram dirigidas
ou, pior ainda, reconhecer que fracassamos como discípulos de Cristo. O que nos
foi dito no último domingo é essencialmente um desafio ao Cristianismo
atualmente praticado em nossas igrejas. Tenho sentido isto de modo crescente a
cada dia que passa.
"Creio que nunca houve
nesta igreja um momento tão apropriado para lhes propor um plano, ou propósito,
que se vem formando em minha mente, como reação positiva a muito do que foi
dito no domingo anterior."
Henrique Maxwell fez uma nova
pausa e olhou fixamente o público. Ali se encontravam homens e mulheres
consagrados e de peso na Primeira Igreja.
Ele pôde ver entre os
presentes Eduardo Norman, diretor do Diário de Notícias. Ele tinha sido membro
da Primeira Igreja por dez anos. Ninguém havia mais respeitado na comunidade do
que ele. Lá estavam também Alexandre Powers, gerente das grandes oficinas da ferrovia
de Raymond. um típico ferroviário que tinha nascido naquela atividade. E também
Donald Marsh, diretor do Colégio Lincoln, localizado num subúrbio de Raymond.
Via Milton Wright, um dos grandes homens de negócios da cidade, que empregava
em suas lojas no mínimo cem pessoas. Presente estava também o Dr. West, que.
embora relativamente moço, era uma autoridade famosa em casos de cirurgia
especial. Havia ainda o jovem Jasper Chase, autor que tivera um grande sucesso
com um livro e dizia-se que estava preparando um novo romance. Lá estava a
senhorita Virgínia Page, uma herdeira a quem a morte do pai havia deixado uma
fortuna superior a um milhão de dólares, e que era possuidora também de
atrativos pessoais e intelectuais. E, não menos importante do que todos os
outros, Raquel Winslow, cuja beleza se destacava no coro e cujo rosto luminoso
nessa manhã parecia ainda mais belo em razão de seu profundo interesse em toda
aquela cena.
Havia alguma razão,
certamente, diante desse patrimônio superior de mentes e corações da Primeira
Igreja, para que o Pastor Maxwell se animasse diante de quaisquer novas
empreitadas. O corpo de membros da igreja era efetivamente um conjunto de
fortes caracteres. Mas, ao observar seus rostos nessa manhã, ele se indagava a
respeito da reação que teriam diante da proposição que lhes ia apresentar.
Quantos aprovariam e se envolveriam? Ele prosseguiu lentamente, escolhendo
cuidadosamente as palavras, dando aos presentes uma impressão jamais sentida,
mesmo quando pregava num estilo fulgurante e dramático.
"O que lhes vou propor
neste momento é um plano que não deve parecer incomum ou de realização
impossível. Imagino, porém, que muitos dos membros o considerem irrealizável.
Para que não haja dúvida sobre tal propósito, vou expô-lo da forma mais simples
e direta. Estou convocando pessoas da Primeira Igreja que voluntariamente se
disponham devotada e sinceramente, pelo período de um ano, a não fazer qualquer
coisa sem antes perguntar: 'Que faria Jesus?" E depois de fazer esta
pergunta, cada um seguirá a Jesus e procederá exatamente como Ele faria se
estivesse em lugar de cada um de nós, seja qual for o resultado dessa atitude.
Vou também associar-me a esse grupo de voluntários, certo de que a igreja não
ficará surpresa diante de minha conduta daqui para frente, baseada neste modelo
de ação, nem se oporá ao nosso modo de ser e agir de acordo com a vontade de
Cristo. Ficou bem clara a idéia? Ao encerrar-se o culto quero que todas as
pessoas desejosas de integrar nosso grupo permaneçam para conhecer os detalhes
do plano. Nosso lema será: “Que faria Jesus?" Nosso objetivo será fazer
exatamente o que Ele faria em nosso lugar, sejam quais forem as conseqüências.
Em outras palavras, estamos dispostos a seguir os passos de Jesus tão
estritamente e tão literalmente do modo como acreditamos que Ele ensinou aos
seus discípulos. E aqueles que se apresentarem voluntariamente assumirão o
compromisso de, durante um ano inteiro, a partir de hoje, agir desta
forma."
Henrique Maxwell fez outra
pausa e olhou firme para a congregação. Não é fácil relatar a sensação que uma
proposta tão simples causou naquela gente. Os olhares se cruzavam denotando
surpresa e admiração. O ministro nunca lhes tinha falado dessa maneira sobre o
discipulado cristão. Havia uma evidente confusão de pensamentos a respeito
daquela situação nova. A proposta foi perfeitamente compreendida, mas havia,
aparentemente, grande diferença de opiniões sobre a aplicação do ensino e
exemplo de Jesus.
O pastor encerrou calmamente
o culto com uma breve oração. O organista tocou o poslúdio logo após a bênção
apostólica e o povo começou a levantar-se. Grupos se formaram em todos os
cantos e se puseram a discutir animadamente a proposta do ministro. Depois de
alguns minutos Maxwell pediu a todos os que resolveram permanecer que se
dirigissem à ampla biblioteca, ao lado do salão de culto. Conversou com várias
pessoas à saída da igreja e, quando finalmente voltou para o templo, este
estava vazio. Encaminhou-se então à biblioteca. Ficou surpreso com o número de
pessoas que lá encontrou. Ele nunca menosprezou a capacidade de consagração e
responsabilidade de seu rebanho, mas dificilmente esperava encontrar ali tantas
pessoas dispostas a engajar-se literalmente nesta prova de fidelidade cristã.
Havia provavelmente umas cinqüenta pessoas na biblioteca, entre elas Raquel
Winslow e Virgínia Page, o sr. Norman, o diretor Marsh, Alexandre Powers,
gerente das oficinas ferroviárias, Milton Wright, o Dr. West e Jasper Chase.
Fechou a porta da biblioteca
e se colocou diante do grupo. Seu rosto estava pálido e seus lábios tremiam de
tanta emoção. Era uma verdadeira crise em sua vida e na vida de sua
congregação. Ninguém sabe até que ponto pode ser conduzido pelo Espírito divino
quando decide mudar o rumo de sua vida — seus hábitos, suas convicções, suas
palavras e seus atos. Ele próprio, como já foi dito, não sabia até então tudo o
que deveria passar, mas estava consciente de que passaria por uma comoção no
conceito cristão do discipulado, possuído de um sentimento profundo de consagração
que não podia medir naquele momento diante daqueles rostos de homens e
mulheres.
Pareceu-lhe que a palavra
mais apropriada a ser dita inicialmente seria uma palavra de oração. Então o
pastor pediu que todos orassem com ele. E às primeiras palavras pronunciadas
sentiu-se nitidamente a presença do Espírito naquele lugar. À medida que a
oração prosseguia, aquela presença aumentava em poder. Todos o sentiram. O
lugar e os corações ficaram de tal modo tomados pelo poder do Espírito, como se
Ele fosse visível. Quando terminou a oração houve silêncio por algum tempo.
Todos tinham as cabeças inclinadas, o rosto de Maxwell estava banhado de
lágrimas. Se alguma voz audível descesse do céu naquele instante para sancionar
aquele voto de seguir os passos do Mestre, nenhum dos presentes se sentiria
mais seguro da bênção divina que lhes foi concedida. Iniciou-se assim o
movimento mais solene jamais realizado na Primeira Igreja de Raymond.
"Todos
compreendemos", disse ele, com voz muito calma, "o que o que nos
propusemos fazer. Temos o compromisso de fazer toda e qualquer coisa em nossas
vidas diárias depois de fazer a pergunta: 'Que faria Jesus?' e seguir seu
exemplo independentemente do que vier a acontecer depois dessa decisão. Daqui a
alguns dias terei condições de contar a vocês a mudança maravilhosa que
aconteceu em minha vida, digamos em uma semana. Neste momento não posso. Mas a
experiência que vivi desde domingo passado causou-me tal insatisfação com minha
interpretação anterior do que significa ser cristão que me senti convocado a
tomar esta posição. Resolvi não começar sozinho. Sei que estou sendo guiado
pela mão de Deus em tudo isto. E o mesmo impulso divino deve conduzir vocês
também.
"'Será que todos nós
entendemos perfeitamente o que estamos começando a fazer?"
"Quero fazer uma
pergunta", disse Raquel Winslow. Todos se voltaram para ela. Seu rosto
tinha uma beleza fulgurante que nenhum encanto físico poderia jamais criar.
"Tenho uma pequena
dúvida sobre o que exatamente Jesus faria. Quem vai decidir precisamente o que
Ele faria em minha situação? Vivemos numa época diferente. Há numerosas
questões complexas em nossa vida diária que não estão mencionadas nos
ensinamentos de Cristo. Como eu poderia, em certas circunstâncias, agir como
Ele?"
"Não existe outro
caminho que eu conheça", respondeu o pastor, "a não ser através do
Espírito Santo. Vocês se lembram do que Jesus disse a seus discípulos sobre o
Espírito Santo: 'Quando vier, porém, o Espírito da verdade, ele vos guiará a
toda a verdade; porque não falará por si mesmo, mas dirá tudo o que tiver
ouvido e vos anunciará as coisas que hão de vir. Ele me glorifícará, porque há
de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar. Tudo quanto o Pai tem é meu;
por isso é que vos disse que há de receber do que é meu e vo-lo há de anunciar'
(Jo 16.13-15). Não tenho conhecimento de outro meio de saber qual é a vontade
de Cristo. Teremos de decidir como agir como Ele indo a essa fonte de
conhecimento."
"E se os outros nos
disserem, quando fizermos certas coisas, que Jesus não faria isso?",
perguntou Alexandre Powers, gerente das oficinas ferroviárias.
"Não podemos impedir que
isso aconteça. Devemos, isto sim, ser absolutamente honestos conosco mesmos. O
modelo cristão não pode variar na maioria de nossos atos."
"Ocorre às vezes que um
membro da igreja pensa que Jesus faria alguma coisa, e outro crente se recusa a
aceitar tal coisa como uma atitude que Cristo tomaria. Como uniformizar um
padrão de conduta cristã, de modo que fosse possível chegar sempre às mesmas
conclusões em todos os casos?" perguntou o diretor Marsh.
Maxwell ficou em silêncio por
um momento e em seguida replicou: "Não. Acredito que não devemos esperar
por isso. Entretanto, quando seguimos os passos de Jesus com toda sinceridade e
iluminados pelo Espírito, não posso acreditar que haja qualquer confusão em
nossas mentes ou no julgamento que outros façam a nosso respeito. Devemos
evitar o fanatismo, de um lado, e ter muita cautela, de outro lado. Se o
exemplo de Jesus é aquele que o mundo deve imitar, certamente esse exemplo deve
ser praticável. Mas precisamos nos lembrar deste grande fato: depois de
perguntarmos ao Espírito o que Jesus faria e recebermos a resposta para isso,
devemos agir positivamente, qualquer que seja o resultado ou conseqüência que
recaia sobre nós. Está bem entendido?'"
Todos os rostos na biblioteca
se voltaram para o ministro num solene gesto de aceitação. Sua proposta foi
perfeitamente compreendida. O rosto de Henrique Maxwell voltou a tremer quando
notou a presença do presidente da Sociedade do Esforço Cristão acompanhado de
vários dos seus membros, sentados atrás dos mais velhos.
Permaneceram mais alguns
minutos trocando idéias sobre detalhes e fazendo-se perguntas, tendo ficado
marcada uma reunião dominical regular para que cada um contasse suas
experiências ao colocar em prática o plano de seguir a Jesus, como ficou
combinado. O Pastor Maxwell orou novamente. E novamente, como antes, o Espírito
Santo se manifestou. Todos inclinaram suas cabeças por um longo tempo. Em
seguida saíram em silêncio. A emoção lhes impedia a fala. Maxwell apertava as
mãos de todos ao se despedirem. Em seguida entrou em seu gabinete, atrás do
púlpito e ajoelhou-se. Ficou ali sozinho cerca de meia hora. Quando chegou a
casa foi até o quarto onde jazia o corpo morto. Ao olhar para aquele rosto
clamou a Deus por força e sabedoria. Entretanto, não pôde então avaliar que se
iniciara um movimento que certamente levaria a uma série de acontecimentos
extraordinários que a cidade de Raymond jamais tinha visto.
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