quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Capítulo 5 - Em seus passos o que faria Jesus? - Capítulo 5


CINCO

Uma nova manhã de domingo raiou sobre Raymond e a igreja de Henrique Maxwell estava outra vez repleta de fiéis. Antes de começar o culto Eduardo Norman foi o grande alvo da atenção dos presentes. Ele se dirigiu calmamente ao seu lugar costumeiro, a três bancos diante do púlpito. A edição do Diário de Notícias daquele domingo contendo a notícia da descontinuidade das futuras edições dominicais foi redigida numa linguagem tão elevada que impressionou os leitores. Nunca antes uma sucessão de fatos novos havia alterado o ritmo da vida pacata de Raymond. Os eventos relacionados ao Diário de Notícias não foram os únicos. O público também comentava com excitação as coisas feitas durante a semana por
Alexandre Powers nas oficinas da estrada de ferro e por Milton Wright em seus estabelecimentos na avenida. O culto transcorria sob um clima excitante que se fazia sentir em toda a audiência. Maxwell passeou os olhos por toda a congregação calmamente, denotando uma força e um propósito incomuns. Suas orações foram muito inspiradoras, mas o sermão não foi tão fácil de descrever. Como um ministro seria capaz de pregar ao seu público ao apresentar-se a ele depois de uma semana de angustiantes perguntas: "Como pregaria Jesus? Quais seriam provavelmente suas palavras?" Na verdade, ele não pregou como nos domingos anteriores. Na última terça-feira ele estava ao lado da sepultura do estranho dizendo as palavras: "Todos procedem do pó, e ao pó tornarão", e ainda sob a forte impressão, revolvendo sua mente na ânsia de encontrar a mensagem de Cristo para seus congregados no domingo.
Agora, chegado o domingo, ali estava seu público para ouvi-lo. O que o Mestre lhes diria? Ele lutara agonicamente em sua preparação, sabendo-se incapaz de transmitir uma mensagem que fosse o reflexo da mensagem de Cristo quando estivesse novamente em seu púlpito. No entanto, ninguém na Primeira Igreja se lembrava de ter ouvido antes um sermão como aquele. Ele se insurgiu contra o pecado, especialmente a hipocrisia, e havia uma clara advertência contra a ambição da riqueza, a ostentação da moda, coisas que a Primeira Igreja nunca ouvira antes desta forma; e sobretudo, ao mesmo tempo, havia o amor por seu rebanho que renovava suas forças à medida que o sermão prosseguia. Terminada sua prédica, muitos dos presentes pareciam dizer em seus corações: "O Espírito inspirou este sermão." E estavam certos quanto a isso.
Então Raquel Winslow levantou-se para cantar, desta vez depois do sermão, a pedido de Maxwell. O cântico de Raquel não provocou o mesmo excitamento desta vez. Que sentimento mais profundo penetrou nos corações dos presentes, levando-os a um silêncio reverente e à ternura de pensamentos? Raquel estava linda. Mas agora sua beleza já não se sobrepunha ao conteúdo da mensagem musical. Havia ainda certamente poder em seu canto inspirado, mas prevalecia um sentimento geral de humildade e pureza que os presentes sentiam profundamente, subjugados pelo poder do Espírito.
Antes do encerramento do culto Maxwell convidou aqueles que tinham ficado na semana passada a permaneceram mais uma vez por alguns momentos, dirigindo-se à biblioteca, e estendeu seu apelo aos que desejassem assumir o compromisso. Encerrados os cumprimentos aos crentes que deixavam o templo, Maxwell foi imediatamente à biblioteca. Para sua surpresa, ela estava inteiramente tomada. Desta vez um expressivo número de jovens tinha vindo, incluindo alguns homens de negócios e oficiais da igreja.
Como havia feito antes, Maxwell pediu a todos que orassem com ele. E, como antes, uma sensível manifestação do Espírito Santo desceu sobre os presentes. Não havia qualquer dúvida nas mentes de quaisquer deles de que o que se propuseram fazer estava claramente em sintonia com a vontade divina, e uma bênção repousava sobre eles de um modo muito especial.
Permaneceram ali algum tempo para fazer perguntas e trocar impressões e experiências. Havia entre eles um sentimento fraternal jamais visto antes como membros da igreja. As decisões de Eduardo Norman tinham sido compreendidas por todos e ele respondeu a várias perguntas.
"Qual será a provável conseqüência da interrupção do jornal no domingo?" perguntou Alexandre Powers, que estava sentado a seu lado.
"Ainda não sei. Pressinto que vai haver uma queda nas assinaturas e nos anúncios. Eu já previa isso."
"O senhor tem alguma dúvida em relação às medidas tomadas? Quero dizer, arrepende-se de alguma coisa, ou receia que não seja isso que Jesus faria?" perguntou Maxwell.
"Nenhuma dúvida. Mas gostaria de perguntar, para minha própria satisfação: algum dos presentes aqui acha que Jesus publicaria um jornal aos domingos?"
Ninguém respondeu imediatamente. Então Jasper Chase disse: "Parece que pensamos de modo semelhante a este respeito, mas fiquei várias vezes confuso durante a semana tentando exatamente saber o que Ele faria. Nem sempre isto é fácil de compreender."
"Senti a mesma dificuldade", disse Virgínia Page. Ela estava sentada ao lado de Raquel Winslow. Todos os que conheciam Virgínia Page estavam curiosos em saber como ela conseguiria cumprir sua promessa. "Penso que talvez seja particularmente difícil responder a essa pergunta por causa de meu dinheiro. Nosso Senhor nunca possuiu qualquer propriedade, e não existe nada em seus exemplos que me orientem no uso do que tenho. Estou pensando e orando. Vejo claramente como Ele faria em parte, mas não tudo. O que Ele faria com um milhão de dólares? Isto é realmente o que desejo saber. Confesso que ainda não tenho uma solução que me satisfaça."
"Posso dizer a você o que poderia ser feito com uma parte do que possui", disse Raquel, voltando-se para Virgínia.
"Isto não me preocupa", respondeu Virgínia com um leve sorriso. "O que estou tentando é descobrir um princípio que me possibilite chegar o mais perto possível da forma como Ele agiria, a fim de que esse princípio influenciasse todo o ritmo da minha vida, incluindo a riqueza e o uso que devo fazer dela."
"Isto levará tempo", disse o ministro lentamente. Todos os presentes estavam pensando profundamente no mesmo sentido. Milton Wright falou alguma coisa de sua experiência. Ele estava gradualmente desenvolvendo um plano de relações comerciais com seus empregados, o que estava abrindo para eles e para ele novas perspectivas. Alguns dos jovens relataram suas tentativas de responder à pergunta. Havia quase um consenso geral sobre o fato de que a aplicação do espírito de Cristo e a prática de seu ensino na vida diária era um assunto sério. Isso requeria um conhecimento sobre Jesus e suas razões, o que a maioria ainda não possuía.
Quando finalmente encerraram o encontro após uma oração silenciosa que marcou, mais uma vez, a crescente manifestação da presença divina, foram para suas casas conversando animada e ardorosamente sobre suas dificuldades e buscando iluminação uns com os outros.
Raquel Winslow e Virgínia Page saíram juntas. Eduardo Norman e Milton Wright se envolveram numa conversa tão interessante que foram além da casa de Norman e tiveram de voltar. Jasper Chase e o presidente da Sociedade do Esforço Cristão ficaram em pé, num canto da sala, conversando entusiasticamente. Alexandre Powers e Henrique Maxwell resolveram ficar mais tempo, depois que todos haviam saído.
"Gostaria que o senhor fosse amanhã às oficinas para conhecer meus planos e falar aos operários", disse Powers. "Sinto que pode aproximar-se deles melhor do que qualquer outra pessoa neste momento."
"Não estou certo disso, mas estarei lá", replicou Maxwell com uma certa hesitação. Como ele poderia enfrentar duzentos ou trezentos trabalhadores e entregar-lhes uma mensagem? Num momento de fraqueza, enquanto fazia a si mesmo esta pergunta, ficou desapontado por sua indecisão e fez a pergunta correta: "Que faria Jesus?" Isto punha fim a qualquer dúvida.
Ele foi até lá no dia seguinte e encontrou Powers em seu escritório. Faltavam poucos minutos para meio-dia e o gerente disse: "Vamos subir, vou mostrar-lhe o que venho tentando fazer."
Passaram pela casa das máquinas, subiram um longo lance de escadas e entraram numa grande sala vazia, que antigamente tinha sido utilizada pela companhia como armazém.
"Desde que assumi aquele compromisso há uma semana tenho "pensado em muitas coisas", disse o gerente, "e entre elas incluí esta: a companhia me autoriza a usar este espaço, que vou mobiliar com mesas e um balcão para café naquele canto onde estão os canos de vapor. Minha idéia é dispor de um bom lugar onde os homens possam almoçar ao meio-dia, oferecendo a eles a oportunidade, duas ou três vezes por semana, de ouvir uma palestra de quinze minutos sobre algum assunto que seja de real ajuda para suas vidas.
Maxwell ficou surpreso e perguntou se os operários viriam para esta finalidade.
"Sim, eles virão. Afinal de contas, eu os conheço muito bem. Eles estão entre os operários mais inteligentes do país atualmente. Entretanto, estão afastados completamente de qualquer influência religiosa. Perguntei 'Que faria Jesus?' e, entre outras coisas, pareceu-me que Ele começaria a agir de algum modo para acrescentar às vidas desses homens mais conforto material e espiritual. Este salão e o que ele representa é uma coisa muito pequena, mas decidi, no primeiro impulso, fazer a coisa que me pareceu de bom senso, e quero levar adiante esta idéia. Desejo que o senhor fale aos homens quando eles subirem ao meio-dia. Pedi que eles viessem ver o lugar e falarei com eles a respeito do que estamos conversando neste momento."
Maxwell estava com vergonha de dizer o quanto ele se sentiria desconfortável ao ser solicitado a falar umas poucas palavras a um grupo de operários. Como poderia ele falar sem anotações, e especialmente para aquele grupo de homens? Sentia-se totalmente deslocado e receoso daquela perspectiva. Estava realmente com medo de enfrentar aqueles operários. Estava um tanto indeciso e inseguro diante dessa perspectiva, que lhe parecia uma verdadeira provação a de confrontar tal multidão, tão diferente de suas audiências dominicais que lhe eram familiares e bem comportadas.
Havia no local uma dúzia de mesas e bancos toscos, e quando soou a sirena os homens subiram as escadas, vindos nas oficinas do térreo, sentando-se nas mesas e começando a comer seu almoço. Deviam estar presentes uns trezentos deles. Tinham lido os avisos do gerente espalhados em vários lugares e apareceram principalmente por curiosidade.
Eles ficaram bem impressionados. O salão era grande e arejado, livre de fumaça e pó, e bem aquecido pela tubulação de vapor. Por volta de vinte minutos para uma hora o sr. Powers disse aos homens o que tinha em mente. Falou com simplicidade, como quem conhece bem o tipo da audiência, e em seguida apresentou o Rev. Henrique Maxwell, da Primeira Igreja, seu pastor, que aceitara o convite para falar uns poucos minutos.
Maxwell nunca iria esquecer os sentimentos que o dominaram quando enfrentou, pela primeira vez, um auditório de operários de caras sujas. Como muitos outros ministros, ele jamais havia falado a uma assembléia que não fosse composta de pessoas de sua própria classe, ou seja, pessoas cuja educação, aparência e maneiras lhe eram familiares. Este era para ele um mundo novo, ao qual jamais falaria antes de sua nova regra de conduta, a qual tornava possível e até natural esta mensagem e seus efeitos. Falou sobre a satisfação de viver, suas causas e suas fontes. Neste primeiro encontro Maxwell teve o bom senso de não considerar os operários uma classe diferente da sua própria. Ele não usou a palavra operário e não disse uma única palavra que sugerisse qualquer diferença entre as vidas deles e a sua própria.
Os homens ficaram satisfeitos. Um bom número dentre eles apertou-lhe a mão antes de descer para o trabalho. Ao chegar a casa Maxwell contou tudo à esposa e disse-lhe que jamais em toda sua vida tinha experimentado o prazer de apertar a mão de um trabalhador braçal. Esse dia ficou marcado como um dos mais importantes em sua experiência cristã, mais importante do que ele podia imaginar. Era o começo de um laço de fraternidade entre ele e o mundo operário. Era a primeira prancha de uma ponte que se construía sobre o vazio existente até então entre a igreja e o trabalho em Raymond.
Alexandre Powers voltou para sua mesa naquela tarde muito contente com seu plano, vendo nele uma excelente oportunidade de ajudar aquela gente. Soube onde conseguir alguma boas mesas de um restaurante abandonado em uma das estações da estrada, e viu como a providência do café poderia ser uma grande atração. Os homens haviam correspondido e se comportado de forma ainda melhor do que se previa e no todo os benefícios para eles não poderiam ser mais úteis e oportunos.
Reassumiu sua rotina de trabalho com grande satisfação. Afinal de contas, ele fez o que Jesus teria feito, disse a si mesmo.
Ao redor de quatro horas, Powers abriu um dos grandes envelopes da companhia, que imaginava contivessem ordens de compra de materiais para o almoxarifado. Passou os olhos na primeira página rapidamente, como era seu costume, antes de perceber que estava diante de um documento que não dizia respeito à sua área e, sim, ao gerente do departamento de fretes.
Folheou o documento mecanicamente, sem a intenção de se inteirar do que não era de sua alçada, quando notou uma frase que provava, com toda evidência, que a companhia estava envolvida numa violação sistemática das leis comerciais do país. Tratava-se de uma transgressão tão clara como se alguém entrasse numa casa para roubar os moradores. E não eram apenas as leis do país que estavam sendo infringidas, mas os próprios estatutos da organização estavam sendo violados intencionalmente. Não havia dúvida de que Powers tinha em mãos provas suficientes para acusar a companhia de infração voluntária e consciente dos seus próprios estatutos e das leis do estado.
Atirou tudo aquilo sobre a mesa como se fosse veneno, e instantaneamente a pergunta "Que faria Jesus?" atravessou sua mente. Tentou fugir desta pergunta. Procurou raciocinar dizendo a si mesmo que aquele assunto não era com ele. Tinha certeza de que todos os encarregados dos setores da companhia supunham que a alta direção da ferrovia agia sempre de acordo com a lei. Em sua posição não dispunha de meios de confirmar tal observância nem lhe fora atribuída responsabilidade para tanto. Nada disso dizia respeito a ele. Mas os documentos estavam diante de seus olhos mostrando a impropriedade do procedimento. Por falha de endereçamento, eles vieram parar em sua mesa. Que tinha ele a ver com isso? Se ele visse um homem penetrando na casa de seu vizinho para roubar, não era seu dever avisar a polícia? Este caso da companhia de estrada de ferro era por acaso diferente? Estava ela sob diferentes leis de procedimento, de modo que se pudesse roubar o povo e desafiar as leis, permanecendo impune por ser uma grande organização? Que faria Jesus? Veio-lhe então à lembrança sua família. Certamente, se ele denunciasse a irregularidade, corria o risco de perder sua posição. Sua esposa e sua filha sempre desfrutaram uma vida confortável e tinham um lugar destacado na sociedade. Se testemunhasse contra essa fraude, teria de comparecer diante de um tribunal, seus motivos como acusador poderiam ser mal interpretados e acabariam complicando sua vida e criando para ele uma situação insustentável dentro da companhia. Estava bem claro que o assunto dos documentos não o afetava. Ele poderia simplesmente remetê-los ao departamento de fretes e ficaria livre e tranqüilo. Que continuassem as irregularidades! Que a lei fosse desrespeitada! Que tinha ele com isso? Poderia continuar fazendo sua parte para melhorar as condições do seu setor. Que mais poderia ser feito numa empresa ferroviária no meio de tanta coisa errada que torna praticamente impossível a uma pessoa viver de acordo com o modelo cristão? Mas, que faria Jesus diante desses fatos? Esta era a questão que estava diante de Alexandre Powers quando o dia já começava a escurecer.
As luzes da seção foram acesas. O ruído e vibração da grande máquina e os sons metálicos das plainas na grande oficina continuaram até as seis horas. Então a sirena soou, as máquinas foram parando, os homens largaram suas ferramentas e saíram correndo em direção ao vestiário.
Powers ouviu o costumeiro clic, clic, clic dos relógios de ponto, enquanto os homens em fila passavam pela portaria na saída do vestiário. Informou seus funcionários: "Não vou sair agora. Tenho um trabalho extra a terminar." Esperou que o último homem saísse do prédio. O engenheiro e seus assistentes trabalharam meia hora mais, porém saíram por outra porta.
Às sete horas, se alguém olhasse para o escritório do gerente, teria visto uma cena comovente. Ele estava ajoelhado, a fronte entre as mãos, inclinando a cabeça sobre os papéis de sua mesa.

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